Tem alguns comentários inúteis
que arquivo inconscientemente nas minhas gavetas mentais. Por exemplo, lembro
quando tinha dez anos e minha avó me recriminou por usar uma blusa de tecido
furado para ir ao clube – e isso já deve dar à vocês uma ideia do quão
conservadora Dona Aurora era.
Na onda dos tais comentários,
lembrei de uma grande amiga esses dias.
Estava folheando alguns dos lançamentos da Novo Conceito, e dois me chamaram a atenção
por um motivo: são escritorAs dando voz
à personagens masculinos. Os livros em questão foram: Seis coisas impossíveis e Quando
eu era Joe.
Carolina era metida à escritora
que nem eu ainda insisto em ser, e ao ler uma fanfic de um amigo em comum
comentou: “Nossa, como é estranho saber
que um homem está escrevendo pensamentos de uma mulher.” Eu nunca tinha
reparado nisso até o momento. E desde então nunca deixei de reparar – observem como
um comentário bobo é capaz de influenciar uma vida literária inteira.
É estranho? Crescemos ouvindo
dizer que homens e mulheres são bichos diferentes, que vieram de planetas
diferentes, e que nunca irão se entender. Entretanto, a literatura quebra esses
dogmas e paradigmas ao nos revelar que podemos ser mais iguais do que imaginamos.
O eu-lírico pode ser apenas o sentimento. E sentimento, meus caros...
sentimento não tem gênero, mesmo que tenha nome.
Se eu pudesse conversar com a
Carolina agora, citaria exemplos como o Chico Buarque, John Green, e tantos outros que acertadamente
se apropriam do eu-lírico feminino. Ou o contrário. Talvez ela até já não ache tão estranho
assim, talvez ela mesma esteja escrevendo seus personagens masculinos em
primeira-pessoa...
... mas não é tão incrível como
alguns comentários... simplesmente... nos marcam?