“Desculpa, Senhor. O senhor deve ter se confundido.”
Foi o que a funcionária me disse há uma hora. Eu havia escolhido a poltrona da janela, tenho certeza. Confundido nada. Maldito sistema web e toda essa necessidade descontrolada dessas empresas para venderem bilhetes aéreos. Isso é que é confusão.
Agora, aqui estou. Fileira 07, poltrona B, espremido entre uma jovem de vinte e poucos e uma senhora. Não estou espremido por elas serem gordas, pelo contrário. Este espaço que é realmente desumano.
Não fosse essa estranha claustrofobia, ainda tenho que ouvir as lamúrias da mulher mais velha. Faz uns quinze minutos que ela julgou-me seu amigo e desde então não parou de falar. Santo Deus! Ela estava na janela, e quem senta na janela não tem direito de reclamar sobre nada, essa é a lei da vida.
Começou reclamando sobre o ouvido. A cada dia, escutava pior. Não, não, os aparelhos não adiantavam, já tentara todos. E o trabalho, quanta gente mesquinha, invejosa e falastrona! “Ora, que coincidência!”, pensei. Mas era sobre o filho que ela mais estava falava agora.
Átila é engenheiro elétrico e, pelo que entendi, aos vinte e oito anos nunca tinha namorado sério. Ela, como mãe, ficava preocupada, claro. Afinal, queria que algum dia, ainda viva, fosse avó. Diana, sua filha, ainda era muito nova para lhe dar netos e, além do mais, ainda não se formara. “Filho, só depois do diploma”, frisou.
Queria tanto que o filho abandonasse a vida de festas e arrumasse logo um casamento, que até passou a ser religiosa. Mas, ah... Se ela soubesse. “Se eu soubesse que seria assim, apagava todas as velas que acendi!”
O caso foi que Átila se apaixonou em pleno carnaval por uma loira recém-chegada na cidade. “Era até simpática no começo, sabe? Quando eu ainda não sabia de tudo.”
Não precisei perguntar ou emitir qualquer som ou sinal de curiosidade para que ela continuasse. Ela falava ininterruptamente.
O único porém da moça, segundo ela, era ter uma filha! Uma menina, de três anos. “Aquele panaca tinha que se apaixonar logo por uma mãe solteira, meu Deus?”
A essa altura, a jovem ao meu lado começou a prestar atenção na conversa, e emitiu um claro e sono sinal de desaprovação sobre aquele monólogo.
Além da filha, descobri que a moça também tinha trancado a faculdade de Pedagogia e estava desempregada. “Era muita falta de sorte concentrada em uma só pessoa”, concluiu.
Eu, calado estava, mudo continuei. Para não ser julgado grosso nem nada, lançava às vezes alguns olhares de compreensão. Comecei a folhear a revista da companhia aérea, torcendo para que a senhora compreendesse que queria alguns momentos só pra mim no voo. Em vão. Por fim, larguei a revista e tentei desconectar de tudo aquilo que estava ouvindo, só reparando em algumas palavras soltas.
“Ai, meu pobre Átila, rezei tanto para que ele encontrasse coisa melhor”. Foi a última coisa que me lembro de ouvi-la dizendo, quando a moça ao meu lado disse, com um tom frio.
“E agora é esta mesma mãe solteira, desempregada e sem graduação, que acompanha a senhora na viagem da sua cirurgia”.
Ainda bem que eu não emiti, em momento algum, nenhum juízo.