Penso
que quero ser como X. Acredito que o conheço bem para ousar ter tal pensamento,
embora tenha plena certeza de que ainda existem nele verdades e hábitos
desconhecidos por mim.
X não
faz parte de nenhuma família real, embora o nome pomposo induza a tal
pensamento. Na verdade, ele quase que não possui nenhuma família de
sangue muito próxima, já que seus pais se separaram quando ele era apenas um
menino, e a maioria de seus parentes se manteve distante quando ele e suas
irmãs mais necessitavam de amparo.
X
C. A. tem em torno de 30 anos, nem tão velho e nem tão novo assim.
Sua mãe, que tinha fixação por nomes estrangeiros compostos, teve mais três
filhas além dele: S. D., G. I. e S. G., nessa ordem. De
origem mineira, a família morou por muito tempo no interior do Rio de Janeiro,
antes de se desfazer.
Quando
menino, na escola, nunca foi o primeiro da turma. Tampouco fez aulas
particulares de inglês – essa e outras regalias eram restritas às meninas da
casa. Raramente chegava ao pódio nas competições da natação e karatê. Com
as garotas, era uma tragédia: magro e ossudo, não chamava a atenção de nenhuma
delas – e mesmo que algum milagre acontecesse, não tinha dinheiro nem para pagar uma bala na cantina do colégio, muito
menos para as entradas do cinema.
Eu
sei, é complicado entender porque então essa estranha vontade de ser como ele.
O vi
pela primeira vez há uns quatro anos, quando fomos apresentados por amigos em
comum em uma das minhas andanças por
terras cariocas. Corria então o ano de 2009. Em 2010, nos tornamos mais
próximos. E mesmo nos falando com frequência, seja por internet ou por
esporádicos encontros, ainda não consegui decifrar quem de fato é X, nem a
verdadeira bagagem que ele carrega consigo.
Sei o
que ele faz da vida: é estudante profissional. De tão profissional, já está
finalizando o seu doutorado em Engenharia de Transportes. Trinta e poucos e
doutor, imagina?! Ele também corre. Diariamente, às seis da manhã, você pode
encontrá-lo na orla de Copacabana, sempre com o mesmo conjunto preto. Após
essa atividade, ele realiza seu habitual café-da-manhã, composto apenas por uma
maçã e inúmeros copos de água.
Uma
coisa é simples dizer sobre
ele: é disciplinado. Sabe que a disciplina é uma virtude fácil de ser quebrada, e por não gostar de
quebrar acordos ou votos, preza por ela. De tão disciplinado que fora toda
vida, entrou na faculdade, mesmo com tantos problemas em sua família. Não era
do seu feitio desperdiçar oportunidades: mudou-se de casa, de cidade, de
conceitos. Estudava em pé, frequentava lan houses, alugava livros, e finalmente
graduou-se.
Quando
você tiver a oportunidade de encontrar com ele, saberá exatamente a sensação
que sentia no início de nossas conversas. Primeiro, uma manifestação banal de
admiração. Posteriormente, uma ligeira inveja daquele modo simples e
determinado de ser. Não se sinta intimidado se achar que ele é melhor do que
você, porque ele provavelmente é, e isso não é necessariamente ruim. Ele é
claramente superior a pelo menos 80% dos seres humanos que habitam este
planeta, ele é claramente de uma forma que eu também queria ser.
Primeiro,
ele está sempre disponível. Pode parecer coisa pouca, mas são raras as pessoas
que hoje em dia possuem tempo para isso. Ajuda um grupo com muitas velhinhas em
tarefas heroicas como comprar passagens aéreas por internet. Lidera serviços
recusados por outros. Faz longas viagens só para que o motorista, algum amigo
ou conhecido, tenha com quem conversar e revezar o volante.
Depois,
ele nunca está de mau humor. Mesmo dividindo apartamento com estranhos desde
que passou a morar no Rio, mesmo vivendo apenas com a curta bolsa do doutorado,
ele sempre tem um sorriso para oferecer.
Há
diversas outras coisas que eu poderia contar aqui para reforçar a personalidade
única de X. Ele quase não fala, a não ser quando já possui devida intimidade
com a pessoa. Mas é um poço de educação. Não dança, a não ser que seja valsa.
Não canta, a não ser que seja para a mulher que ama.
Tenho
muito mais que aprender sobre X, mas o pouco que descobri através da minha
característica petulância me faz querer descobri-lo mais a cada dia, absorver,
como que por osmose, um pouco da sua constância, disciplina, silêncio e
resignação. X sabe aceitar o que o destino lhe reserva, mesmo não despejando
toda a sua confiança no acaso. Apesar de ter infinitas possibilidades à sua
frente, caminha sem afobação, observando a paisagem e sentindo o vento
cortar-lhe à face.
Ao
vê-lo caminhando de tal forma,
sinto-me impelida a acompanhar seus passos.
* Escrito no dia 20 de outubro, na oficina de escrita criativa: contos, ministrada por Katherine Funke.
* Escrito no dia 20 de outubro, na oficina de escrita criativa: contos, ministrada por Katherine Funke.
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