11 novembro 2013

Uma maçã e inúmeros copos de água


Penso que quero ser como X. Acredito que o conheço bem para ousar ter tal pensamento, embora tenha plena certeza de que ainda existem nele verdades e hábitos desconhecidos por mim.
X não faz parte de nenhuma família real, embora o nome pomposo induza a tal pensamento.  Na verdade, ele quase que não possui nenhuma família de sangue muito próxima, já que seus pais se separaram quando ele era apenas um menino, e a maioria de seus parentes se manteve distante quando ele e suas irmãs mais necessitavam de amparo.
X C. A. tem em torno de 30 anos, nem tão velho e nem tão novo assim. Sua mãe, que tinha fixação por nomes estrangeiros compostos, teve mais três filhas além dele: S. D., G. I. e S. G., nessa ordem. De origem mineira, a família morou por muito tempo no interior do Rio de Janeiro, antes de se desfazer.
Quando menino, na escola, nunca foi o primeiro da turma. Tampouco fez aulas particulares de inglês – essa e outras regalias eram restritas às meninas da casa. Raramente chegava ao pódio nas competições da natação e karatê.  Com as garotas, era uma tragédia: magro e ossudo, não chamava a atenção de nenhuma delas – e mesmo que algum milagre acontecesse, não tinha dinheiro nem para pagar uma bala na cantina do colégio, muito menos para as entradas do cinema.
Eu sei, é complicado entender porque então essa estranha vontade de ser como ele.
O vi pela primeira vez há uns quatro anos, quando fomos apresentados por amigos em comum em uma das minhas andanças por terras cariocas. Corria então o ano de 2009. Em 2010, nos tornamos mais próximos. E mesmo nos falando com frequência, seja por internet ou por esporádicos encontros, ainda não consegui decifrar quem de fato é X, nem a verdadeira bagagem que ele carrega consigo.
Sei o que ele faz da vida: é estudante profissional. De tão profissional, já está finalizando o seu doutorado em Engenharia de Transportes. Trinta e poucos e doutor, imagina?! Ele também corre. Diariamente, às seis da manhã, você pode encontrá-lo na orla de Copacabana, sempre com o mesmo conjunto preto. Após essa atividade, ele realiza seu habitual café-da-manhã, composto apenas por uma maçã e inúmeros copos de água.
Uma coisa é simples dizer sobre ele: é disciplinado. Sabe que a disciplina é uma virtude fácil de ser quebrada, e por não gostar de quebrar acordos ou votos, preza por ela. De tão disciplinado que fora toda vida, entrou na faculdade, mesmo com tantos problemas em sua família. Não era do seu feitio desperdiçar oportunidades: mudou-se de casa, de cidade, de conceitos. Estudava em pé, frequentava lan houses, alugava livros, e finalmente graduou-se.
Quando você tiver a oportunidade de encontrar com ele, saberá exatamente a sensação que sentia no início de nossas conversas. Primeiro, uma manifestação banal de admiração. Posteriormente, uma ligeira inveja daquele modo simples e determinado de ser. Não se sinta intimidado se achar que ele é melhor do que você, porque ele provavelmente é, e isso não é necessariamente ruim. Ele é claramente superior a pelo menos 80% dos seres humanos que habitam este planeta, ele é claramente de uma forma que eu também queria ser.
Primeiro, ele está sempre disponível. Pode parecer coisa pouca, mas são raras as pessoas que hoje em dia possuem tempo para isso. Ajuda um grupo com muitas velhinhas em tarefas heroicas como comprar passagens aéreas por internet. Lidera serviços recusados por outros. Faz longas viagens só para que o motorista, algum amigo ou conhecido, tenha com quem conversar e revezar o volante. 
Depois, ele nunca está de mau humor. Mesmo dividindo apartamento com estranhos desde que passou a morar no Rio, mesmo vivendo apenas com a curta bolsa do doutorado, ele sempre tem um sorriso para oferecer. 
Há diversas outras coisas que eu poderia contar aqui para reforçar a personalidade única de X. Ele quase não fala, a não ser quando já possui devida intimidade com a pessoa. Mas é um poço de educação. Não dança, a não ser que seja valsa. Não canta, a não ser que seja para a mulher que ama.
Tenho muito mais que aprender sobre X, mas o pouco que descobri através da minha característica petulância me faz querer descobri-lo mais a cada dia, absorver, como que por osmose, um pouco da sua constância, disciplina, silêncio e resignação. X sabe aceitar o que o destino lhe reserva, mesmo não despejando toda a sua confiança no acaso. Apesar de ter infinitas possibilidades à sua frente, caminha sem afobação, observando a paisagem e sentindo o vento cortar-lhe à face.
Ao vê-lo caminhando de tal forma, sinto-me impelida a acompanhar seus passos. 

* Escrito no dia 20 de outubro, na oficina de escrita criativa: contos, ministrada por Katherine Funke.

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